A infância em Paço d’Arcos

Eu nasci em Paço de Arcos.

O meu pai já tinha nascido em Paço de Arcos, naquelas casas que ficam logo a seguir à Marginal e não tinham ali nada à frente. Muito perto do Palácio dos Arcos.

Saía-se de casa e era areia.

O meu pai era filho de uma senhora natural de Oeiras, muito perto da Igreja da Misericórdia, que casou com um beirão, que era o meu avô paterno. Vieram viver para Paço de Arcos para uma casa por cima da Farmácia Godinho, aquela enorme casa com 12 divisões e um corredor enorme onde nós os netos brincávamos… Como é que se faz a ligação com a minha mãe que era Algarvia?

Paço de Arcos transformou-se num sítio onde era bem passar férias e a minha mãe (eram os dois muito diferentes), o meu pai um autodidata, muito comunicativo, a mãe uma pessoa muito mais culta, de uma família com outras raízes e os seus tios. A minha mãe não tinha pai nem mãe, tinha sido educada num colégio interno, dominava várias línguas, como era própria – tocava piano e falava francês – e vai passar as férias a Paço de Arcos e os tios decidiram comprar uma casa onde fica agora o restaurante brasileiro.

E a  minha mãe no 1º ano em que veio passar férias a paço de Arcos conheceu o meu pai. A minha vida está cheia de coisas muito engraçadas… Ainda não estamos na década de 40 e o meu pai era divorciado. A minha mãe era uma menina de boas famílias e começa a namorar um divorciado. A família opôs-se: “Não casas com uma pessoa dessas! Era o que faltava! Não contes com o nosso apoio porque não vale a pena!”

O tio da minha mãe nessa altura era Ministro dos Negócios Estrangeiros e o meu pai disse-lhe que casava dentro de um ano. E casaram.

E a minha mãe veio viver para Paço de Arcos. Eu tinha um irmão de 9 anos do 1º casamento do meu pai. O meu pai era uma pessoa muito para a ‘frentex’ e vocês vão perceber porque é que ele me levava aos republicanos sendo uma rapariga…porque o primeiro casamento do meu pai, a mulher do meu pai era cantora lírica. Estamos no princípio do século XX…Tudo isto tem influência… O meu pai sempre gostou muito de teatro. Fez teatro em paço de Arcos. A minha mãe veio um bocado deslocada em tudo, para uma terra que não era a dela, para uma família bastante diferente da dela e sabendo que a sua família não aceitava o casamento. E daqui nasce uma menina, que sou eu.

Nasço em Paço de Arcos e ainda a família da minha mãe não estava bem com ela. Nasci na casa onde vivo. E essa é uma particularidade muito engraçada. Durmo no quarto onde a minha mãe me teve.

Os meus pais, embora cada um à sua maneira, eram pessoas muito interessadas nos outros. O meu pai com a sua facilidade de expressão, de falar com todos, fossem eles quem fossem. A minha mãe mais preocupada com o que podia fazer pelos outros. Isto fez com que o meu pai passasse pela Junta de Freguesia, pelos bombeiros, por um clube desportivo, inserindo-se muito bem na vida social de Paço de Arcos. A minha mãe – tínhamos uma empregada lá em casa e a empregada passados uns meses de eu ter nascido engravida. Ela conta a história ao meu pai que tenta fazer-lhe o casamento mas o homem desaparece e aquele menino foi quase como um irmão porque foi sempre acompanhado pelo meus pais. Isso veio mostrar à minha mãe que havia meninos que não tinham nem leite, não tinham roupa não tinham nada…e passavam muitas dificuldades…

E então juntou-se com a Madame Barata, uma senhora francesa e uma portuguesa e formaram num teatro que havia em Paço de Arcos uma casa de protecção às crianças. Eram 12 meninos. Tenho a fotografia linda dos 12 meninos. Eu com 1 aninho e eles todos mais pequeninos, da inauguração daquilo para os 12 meninos. A minha mãe e as outras duas senhoras , juntamente com um médico pediatra conseguem leite de vaca com quem tinha vacarias e elas próprias faziam as roupas para as crianças.

Isto foi a grande marca da minha vida. Eu não me lembro da minha casa sem esta preocupação de fazer alguma coisa pelos outros. Havia uma empregada que ia lá a casa coser e fazer os enxovais para os meninos. Foi a melhor aprendizagem que eu tive para mais tarde ter percebido que não vinha cá por acaso.

 

Aline

A infância em Paço d’Arcos

Rua Costa Pinto 8, Paço de Arcos, Portugal

A infância em Paço d’Arcos Aline Bettencourt