De Algés dizia-se que é donde partem os barcos. Ponto de partida para outros mundos, porta de entrada dos mundos adentro… mas isto já nos anos 80, em que se saía da Támar para ir ouvir Doors, o Jim Morrison a cantar “the west is the best”. E nós com a sorte de ali poder passar a juventude ociosa no corredor da Támar, e diante da Támar, na conversa no muro da Támar – donde também partiam os barcos – e com vista para o pôr do sol, a ver os barcos passar… «the west is the best»… (excerto da música)
Diziam os meus pais que eu tinha sido feita na Rua de Olivença, onde nos anos 60 vieram morar com o meu irmão, sete anos mais velho, para estarem mais próximos dos meus avós maternos que moravam numa vivenda em Linda-a-Velha, acabando depois de eu nascer em 1965 por irmos todos viver com eles para ajudar na doença do meu avô.
Apesar de eu sempre dizer que sou “made in Algés”, como os ananases são “made in Açores”, o que é certo é que nessa altura da infância o quintal dos meus avós me impressionava muito mais do que Algés e que na pré-adolescência, adolescência, o grupo dos “manos” de Linda-a-Velha me chegava. Ainda voltei a frequentar Algés quando fui para o Ciclo Preparatório, para a Bartolomeu Dias, no Palácio Ribamar, onde hoje é a Biblioteca, mas era escola-casa. Também me lembro que as tais cheias de 1967, em Linda-a-Velha, tiveram ainda mais impacto, já que nessa madrugada estoirou um paiol e o cenário com as chuvadas e as inundações e os vidros todos partidos foi tão desolador que os meus pais nos levaram para Lisboa por uns dias, para casa dos meus outros avós.
Passados anos, quando voltei a estudar em Algés, já no 12º ano, noutra escola que actualmente já não existe, a Belém-Algés, tinha acumulado a matemática toda atrasada por fazer e fui frequentar aulas nocturnas no Colégio Charrua, o que me permitiu dar umas escapadelas para estar com os amigos. E de amizade em namoro, lá me fui deixando ficar mais uns anos, mesmo depois já a viver em Lisboa, mas sempre em contacto com Algés e com o grupo do “pessoal de Algés”. Se não tivessem havido as liberdades de Abril duvido que os meus pais me deixassem ir estudar à noite sozinha para lá.
Quando ao fim de cinco anos o namoro acabou, eu pensei mesmo que tão depressa nada nem ninguém me faria voltar a Algés. Mas como parece não se poder escapar ao destino, ou porque voltamos sempre onde nos esperam, eis que anos mais tarde me enamoro de mais um algesino, por sinal pai dos meus filhos, e tão longe de Algés como eu estava disso tudo vir a acontecer: na ilha de Santa Maria, nos Açores.
Acabado o “exílio” profissional que nos concedeu viver dez anos de vida na ilha, o algesino e a algesina (eu) voltam para Algés, onde passam a viver numa casa que já vai sendo das mais antigas de Algés. Com isto tudo, depois de dez anos afastada do continente, eis que volto a viver em Algés e numa rua perpendicular à rua de Olivença, onde fui feita.
Estas vindas e desavindas na vida de uma pessoa, pela inesperada repetição, acabam por se tornar significativas, pelo menos para o próprio e para quem lhe quer ouvir a história. E tanta coincidência faz sentir o coração bater e sentir identificação sempre que se chega de comboio a Algés e se lê na parede grafitada da estação «Algés is my home».
«É de Algés que partem os barcos». Estes «barcos» sempre me soaram simbólicos, porque a frase significa apenas que daqui se parte e aqui se volta a chegar, porque Algés é pequeno e é preciso partir; mas depois é como se uma força puxasse para cá. Agora penso que já não vou partir mais de Algés, mas quem o pode afiançar depois desta minha história? Isso é apenas o que eu penso agora. Mas é claro que eu hei-de partir de Algés, pelo menos mais uma vez, nem que seja quando o derradeiro barco do Caronte passar e me levar daqui para sempre.
Avenida dos Combatentes da Grande Guerra, 90, 1495-040 Algés